"QUE A ÁGUA SEJA REFRESCANTE. QUE O CAMINHO SEJA SUAVE. QUE A CASA SEJA HOSPITALEIRA. QUE O MENSAGEIRO CONDUZA EM PAZ NOSSA PALAVRA."
Benção Yoruba

domingo, fevereiro 27, 2011

Engravidando a Palavra


Mês de fevereiro, mês de aniversário, mês de me presentear. Claro que optei por fazer parte de duas oficinas de contação de histórias com Mestre Francisco Gregório _ uma no Museu do Folclore e outra na PUC. Como proposta do mestre, a oralitura , ou seja a escritura que leva em conta a oralidade. Esta seria uma cartografia para nosso repertório.
Escolhi, então, do meu baú de memórias, uma oração proferida por minha bisavó Anna e, como um fio que se vai puxando e tecendo, ao mesmo tempo, produzi esse pequeno texto.

"Dentre as explicações para as trovoadas, a mais convincente em minha infância era: "Deus está arrumando a casa e os anjos estão arrastando os móveis."
Trovoadas sempre demandaram ritos protetores: guardar talheres e tesouras, cobrir os espelhos e, principalmente, rezar para Santa Bárbara. Esta parte, particularmente poderosa, ficava a cargo de minha bisavó.
Bisa Anna ia para seu quarto, tirava do bolso o terço _ cujas contas, feitas de sementes, sempre me fascinaram_ e começava a rezar com uma voz plena de musicalidade que, se não acalmava os trovões, com certeza me tranquilizava.
'Santa Bárba bendita (*)
Que no céu estás inscrita
Santa Bárbara se vestiu e se calçou
Suas Santas Mãos lavou
No caminho se postou
Jesus Cristo a encontrou
Jesus Cristo perguntou
_ Bárbara onde vais?
_ Vou ao céu, Senhor, acalmar os trovões.
_ Bárbara vai, vai
Vai lá por estes montes meirinhos
Onde não haja eira nem beira
Nem ramos de figueira
Nem galos a cantar
Nem meninos a chorar.
Um Pai Nosso e uma Ave Maria em louvor à Santa Bárbara

Meio século depois, com as mudanças climáticas e o aumento da incidência de raios, fico aqui, escrevinhando e pensando: "É de bom alvitre mudarmos nossos hábitos para tentar conter as ofensas ao planeta; é mister -outra palavra de minha bisavó _ por via das dúvidas, reaprendermos orações à Santa Bárbara.

(*)Oração da região norte de Portugal, com inúmeras variantes na região entre  Douro e Minho.

No momento em que compartilhei este texto com a turma, me dei conta que esta oração sempre está presente, engravidando minha Palavra , quando conto histórias de Iansã. Bisa Anna era mulher de grande força, como a Senhora dos Raios e Ventos, embora  sua aparência de Velha Sábia lembrasse mais   uma Preta Velha 'portuguesa com certeza',  ou uma Santana .. ou uma Nanã.
Meu repertório afrobrasileiro foi também gestado em Portugal ! Êh Brasil !

Um comentário:

Débora Kikuti - contadora de histórias disse...

Que texto lindo, querida!
Lembrei certinho de minha avó Maria, dando tarefas à todos os netos: cobrir espelhos, guardar facas, garfos, fechar bem a torneira...e acender a vela (essa era a minha tarefa). Logo depois, lá é vinha a escuridão com a tromba d´água...entre um trovão e outro minha avÓ:"_ Santa Bárbra!" entre um pedaço e outro das suas histórias...
Adorei viajar pra minha infância contigo; muito agradecida!!! Grande beijo.