Como professora de História na da Rede Pública de Ensino da Cidade do Rio de Janeiro, me dou conta que o ensinado nas escolas tem sido incapaz de oferecer instrumentos adequados para a compreensão da vida e à sua vivência, ficando corações e almas de todos os envolvidos _ professores , estudantes _ cada vez mais silenciados, perigando cair na apatia ou na explosão destrutiva.
Faltam-nos histórias da alma!
Percebo que, das histórias contadas nas escolas, as clássicas, européias, são amplamente divulgadas e, sem dúvida, devem ser contadas, pois fazem parte do acervo da humanidade. Em abril, os mitos indígenas saem das gavetas, para onde retornam, depois do dia 19. A grande ausência sempre foram as histórias de origem africana.
Gosto de ouvir e contar histórias, passei a suprir essa ausência nas turmas que lecionava, contando mitos afro-brasileiros. O prazer em contá-los fez com que procurasse oficinas para formação de contadores de histórias, encontrando em Francisco Gregório um Mestre. Conto histórias com um repertório afro-brasileiro, principalmente de tradição Yorubá. Meu trabalho tem sido realizado, principalmente com adultos, em sua maioria, professores.
Sobre a procedência das histórias que conto _ em sua maioria pertencentes ao sistema oracular de Ifá _existe uma cartografia dos caminhos percorridos por estas, escrita por Reginaldo Prandi: Mitologia dos Orixás .
É difícil atestar a procedência de um mito referente à um orixá, se sua criação deu-se na África ou na América e, mesmo no caso de um mito recolhido há tempos na África e reencontrado na América, é temerária qualquer afirmação sobre o modo como veio a se reproduzir aqui. De qualquer modo, existe uma simbologia identificada socialmente como de origem africana.
É difícil atestar a procedência de um mito referente à um orixá, se sua criação deu-se na África ou na América e, mesmo no caso de um mito recolhido há tempos na África e reencontrado na América, é temerária qualquer afirmação sobre o modo como veio a se reproduzir aqui. De qualquer modo, existe uma simbologia identificada socialmente como de origem africana.
A África que circula a cada contação de histórias é uma África simbólica, cujo significado não se resume à história do continente africano ou da diáspora a partir do século XVI. É uma África construída em cada brasileiro.
Observo as reações dos ouvintes. Alguns, profundamente emocionados e com olhos brilhantes, perguntam onde poderiam achar tais contos; outros, disfarçadamente, pegam Bíblias dentro de bolsas e, em casos que considero extremos, se retiram da sala. Houve até quem, considerando-me iniciada em cultos da tradição afro-brasileira, solicitasse um jogo de búzios.
Talvez minha história de vida tenha me propiciado uma certa flexibilidade para tais reações: sou bisneta de rezadeira, sobrinha-neta de pastor evangélico e de mãe-de-santo, neta e filha de católicos; em minha memória está a acolhida a diversas tradições do religare, cada qual com sua simbologia.
Percebi , desde as primeiras rodas de contação de histórias, que estas tocavam em algo além de um prazer estético e muito além do que entendia por militância política. Percebi, também, que, muito embora estas histórias sejam do conhecimento popular, publicadas, pesquisadas, raramente são contadas . Senti necessidade de um estudo mais aprofundado sobre Mito e Alma, que levasse em conta as traduções culturais dessa Alma humana, o que me levou à Arteterapia - ao cursos de Formação Clínica e de Pós-graduação e , logo após, a um novo desafio_ ministrar oficina de Contos em curso de Pós-graduação em Arteterapia.
Quanto mais mergulho no prazer da pesquisa e contação, mais me dou conta que estas
são histórias que nos formam enquanto povo. São fios com os quais tecemos nossa alma.
(*) A palavra Alma é utilizada sem conotação ligada a qualquer tradição religiosa.
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